Crime e Castigo
– Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

Um estudante, pobre, que habitava um pequeno quarto de uma pensão na cidade de São Petersburgo, na Rússia, foi o personagem escolhido por Dostoiévski para expor efeitos psicológicos, originados em conceito fictício, que classifica a humanidade em seres especiais e seres materialistas.

Pessoas especiais ou materialistas

crime-e-castigo-5Conforme o conceito, era permitido às pessoas consideradas especiais não se aterem às leis e regras definidas, considerando, para efeito, a sua posição social e intelectual.

Estas pessoas poderiam cometer crimes, sem, necessariamente, refletirem sobre o fato ou sofrerem retaliações.

Aos indivíduos tidos como materialistas cabia o cumprimento das leis e regras definidas pelos ditos seres especiais.

Napoleão Bonaparte e os crimes

Rodion Românovitch Raskólnikov, protagonista da história, se considerava um indivíduo especial e tinha Napoleão Bonaparte como a sua fonte de inspiração.

Este conceito o levou a praticar dois crimes.

A primeira vítima foi uma velha agiota, Alena Ivanovana, que se aproveitava das necessidades financeiras de pessoas carentes.

A segunda, Isabel, tornou-se vítima por ter flagrado o criminoso no momento que executava a sua irmã.

O propósito

Enquanto planejava os detalhes da ação, o criminoso entendia que matando a velha agiota estava fazendo um benefício social à humanidade.

Com tempo disponível e inteligência rebuscada, desenvolveu um plano perfeito para não deixar vestígios dos crimes.

Ao escrever a história, o autor abandona o mistério policial e foca nos dramas psicológicos vividos pelo criminoso e por outros personagens que compartilham da trama.

Entre eles há coisas, em comum, que afloram em momentos e formas distintas.

O conceito como foco

crime-e-castigo-6O protagonista, apesar de pobre, ao se classificar como uma pessoa especial, não abre mão de conceitos preestabelecidos, mesmo que esses viessem a prejudicá-lo na condenação.

O fato de sua irmã, Dúnia, ter sido prometida ao funcionário público, Piotr Pietróvitch Lújin, por interesse financeiro, deixou Rodion R. Raskólnikov irritado ao ponto de afrontar o pretendente.

O fato lhe rendeu muita dificuldade após o desenlace da relação.

Prepotência e burguesia

O pretendente de Dúnia tinha uma autoestima elevada beirando ao egocentrismo. Achava que desposar uma mulher como a irmã do protagonista, carente, nova, inexperiente, desprotegida e que tinha sido questionada socialmente, lhe assegurava total submissão e gratidão.

Outro personagem marcante é o burguês, Svidrigáilov, que se casou com a rica Marfa Pietrovna.

Ela pagou as dívidas do trapaceiro e assinou um contrato que permitia a ele sair com mulheres, desde que não repetisse a companhia.

Apesar de Svidrigáilov declarar que preferia mulheres bem jovens, manteve o casamento com Marfa e tornou-se suspeito quando da sua misteriosa morte.

Este fato, o levou a Petersburgo, com a esperança de concretizar o desejo de iniciar um relacionamento com Dúnia, cuja admiração se deu à época em que ela era empregada da sua falecida esposa.

Uma história extravagante

O texto é perturbador e a teoria da história é extravagante.

A ausência de fundamento e critério aceitos socialmente, nos remete a reflexões sobre responsabilidade em fatos, cujas definições não transparecem critérios e formas definidas.

Assim, as ações obedecem a critérios subjetivos, individualizados e fora do controle.

Tragédias, amor e reconhecimento

A história, publicada originalmente em 1866, termina com uma sequência de tragédias, instigadas pelo vazio de vidas sem sentido, cujas personagens se entregam à própria sorte.

Dostoiévski brinca com a imaginação do leitor, coloca o protagonista em situações de suspeito e colaborador nas investigações do crime.

Finda com o questionamento sobre a necessidade de busca, do homem, por relações que possibilitem aquietar a mente.

Coloca a moral religiosa como fonte de conforto espiritual, submetendo a intelectualidade a conceitos simples, expressados por uma jovem prostituta disposta a submeter-se a situações de sofrimento em busca do reconhecimento social.

Crime e Castigo é apoiado em dilemas morais aguçados por desprezo social, arrogância, prepotência, repressão, uso inadequado do poder, machismo e jogo de interesses.

Trata-se de mais uma obra prima do russo Dostoiévski.

Leitura recomendadíssima!

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

dostoevskij_1872

Nasceu em Moscou, Rússia, no dia 11 de novembro de 1821. Foi o segundo filho do casal Mikhail Dostoiévski e Maria Fiodorovna.

Sua mãe morreu, de tuberculose, quando Dostoiévski tinha 15anos, deixando ele e seis irmãos em companhia do pai. Motivados pela depressão e ao alcoolismo do pai, ele e um dos irmãos foram para a Academia Militar de Engenharia de São Petersburgo.

Existem registros que afirmam que Mikhail foi assassinado por seus servos revoltados com os maus tratos. Outros asseguram que a morte se deu em consequência de um acidente vasculhar.

Fiódor Dostoiévski desejou a morte do pai, por não concordar com o seu jeito autoritário e este fato terminou causando sentimento de culpa e exercendo influência na sua obra.

Morreu em São Petersburgo no dia 9 de fevereiro de 1881, aos 59 anos.

Formação acadêmica

Fiódor Dostoiévski concluiu seus estudos de engenharia em 1843 e obteve a patente de tenente militar. Aprendeu física, matemática e literatura. Estudou as obras do alemão Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann, dos franceses Blaise Pascal e Victor Hugo, e do inglês William Shakespeare.

O escritor francês Honoré de Balzac visitou Dostoiévski em São Petersburgo, em 1844, e a visita resultou em uma tradução o primeiro grande romance de Balzac. Com o dinheiro recebido pelo trabalho quitou uma dívida que tinha com um agiota e despertou a sua vocação pela literatura. Fez outras traduções dentre as quais romances de George Sand (pseudônimo de Amandine Aurore Lucile Dupin) considerada uma das maiores escritoras memorialista francesa e precursoras do feminismo.

Início da obra literária

Em 1844, Dostoiévski deixou o exército e dedicou-se exclusivamente à escrita, iniciando o romance epistolar (na forma de carta) ‘Gente Pobre’, que recebeu elogios de influente crítico literário russo, que o considerou uma obra realista com importante visão social. O livro foi publicado em 1846, quando o autor possuía, apenas, 24 anos.

Ainda em 1846 surge o segundo romance titulado ‘O Duplo’ cujo protagonista se apresenta com dupla personalidade. Possivelmente, fruto das perturbações sofridas por Dostoiévski que forma confundidas, na época, como crises epilépticas. Há quem afirme que o escritor sofria de crise histérica. O escritor inclui a epilepsia nas histórias dos seus personagens, como o príncipe Míchkin (“O Idiota”), Kiríllov (“Os Demônios”) e Smerdiákov (“Os Irmãos Karamázov”).

Dostoiévski sofre um revés da crítica ao escrever, em 1848, ‘Noites Brancas’ e ‘Niétochka Nezvánova’. Essas obras enfatizaram o comportamento psicológico dos personagens.

O escritor volta a surpreender quando do seu retorno da Sibéria, onde estava preso, com o livro ‘Recordações da Casa dos Mortos’, publicado em 1862. O respeitado escritor Levi Tostói fez excelentes elogios à obra.

‘Crime e Castigo’, publicado em 1866 e o seu último romance ‘Os Irmãos Karamazov’, publicado em 1881, consagram o escritor com um dos mais influentes da Rússia. O último romance foi considerado pelo criador da psicanálise Sigismund Schlomo Freud como o romance mais bem escrito.

Foco nos conflitos mentais

Por ser uma obra atemporal, muito do modernismo literário e da escola teológica e psicológica sofreu influência da obra do autor. Versa sobre aspectos do estado de espírito que leva ao homicídio, ao suicídio, à loucura, ao sofrimento e por que não dizer à autodestruição.

Neste contexto a obra que recebe os nomes de ‘Memórias do Subsolo”, publicada em 1864, é vista como um marco existencialista. Segundo o filósofo alemão Walter Arnold Kaufmann trata-se da “melhor proposta para o existencialismo já escrita”.

Expatriação na Sibéria

prisao-russa-1Por participar de reuniões do grupo intelectual Círculo Petrashevski e ter lido em público uma carta aberta do escritor e filósofo russo Vissarion Grigorievich Bielinsk dirigida ao escritor, também russo, Nikolai Gogol criticando-o por suas visões políticas e sociais conservadoras, Dostoiévski foi acusado de conspirar contra o imperador Nicolau I da Rússia e Grão-Duque da Finlândia. O Círculo Petrashevski se dedicava a debater as condições de vida na Rússia.

Em 23 de abril de 1849, o escritor foi preso juntamente com outros membros do Círculo Petrashevski. Passou oito meses na Fortaleza de Pedro e Paulo até que, em 22 de dezembro, houve a sentença de morte por fuzilamento.

Em 23 de dezembro, o escritor foi levado ao lugar da execução juntamente com outros membros do grupo e amarrados aos postes em frente ao pelotão. Antes da execução por fuzilamento, chegou uma ordem do Czar para que a pena fosse substituída por prisão com trabalhos forçados e exílio, na Sibéria.

Após a prisão, Dostoiévski começou a contemplar a vida como um dom extraordinário, ao contrário do determinismo e do pensamento materialista. Valorando a responsabilidade individual, a integridade física e mental além da liberdade.

Na prisão, o escritor observa que mesmo em um ambiente completamente inóspito as diferenças sociais existiam.

A soltura de Dostoiévski ocorreu em 1854 condicionada à prestação de serviço no Sétimo Batalhão, por quatro anos, na fortaleza de Semipalatinsk, no Cazaquistão, além de tornar-se soldado por tempo indefinido.

Casamentos, jogos e dívidas

cassino-4Dostoiévski casou-se em fevereiro de 1857 com Maria Dmitriévna Issáieva, mulher pela qual ele havia se apaixonado quando esposa de um conhecido. Com a morte do marido de Maria a união pode ser concretizada. Ela possuía um filho de oito anos e sofria de tuberculose.

Entre 1862 e 1863, viajou a Berlim, Paris, Londres, Genebra, Turim, Florença e Viena. Durante o período das viagens se relacionou com Paulina Súslova, uma estudante de ideias progressistas. Retornou a Rússia sem recursos por ter perdido todo dinheiro em jogos de azar.

Desanimado pela morte de sua esposa e do irmão, teve que sustentar a viúva do irmão e seus quatro filhos, além do enteado Pável Issáiev e o irmão, alcoólatra, Nikolai.

Conheceu a jovem estenógrafa de vinte e quatro anos, Anna Grigórievna Snítkina, e terminou se casando 15 de fevereiro de 1867.

Herança literária e reconhecimento

Dostoiéviski ao lado de Dante Alighieri, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Johann Wolfgang von Goethe, Luís de Camões, Victor Hugo são tidos como escritores que influenciaram sobremaneira a literatura do século XX. Particularmente, Dostoiévski influenciou as obras dos escritores Hermann Hesse, Marcel Proust, William Faulkner, Albert Camus, Franz Kafka, Yukio Mishima, Roberto Arlt, Ernesto Sábato e Gabriel García Márquez.

A obra

Fiódor Mikhailovitch Dostoiévskié é autor dos romances Gente Pobre (1846), O Duplo (1846), Noites Brancas (1848), Netochka Nezvanova (1849), O Sonho do Tio (1859), Aldeia de Stiepantchikov e seus Habitantes (1859), Humilhados e Ofendidos (1861), Recordações da Casa dos Mortos (1862), Memórias do Subsolo (1864), Crime e Castigo (1866), O Jogador (1867), O Idiota (1869), O Eterno Marido (1870), Os Demônios (1872), O Adolescente (1875) e Os Irmãos Karamazov (1881).

Escreveu as novelas e os contos Senhor Prokhartchin (1846), Romance em Nove Cartas (1847), A Senhoria (1847), Polzunkov (1848), Coração Fraco (1848), O Ladrão Honesto (1848), Uma Árvore de Natal e uma Boda (1848), O Homem Debaixo da Cama (1848), Noites Brancas (1848), O Pequeno Herói (1849), Uma História Lamentável (1862), O Crocodilo (1865), Bóbok (1873), Uma Criatura Gentil (1876), O Mujique Marei (1876), e O Sonho de um Homem Ridículo (1877).

Referência bibliográfica

crime-e-castigo-1Dostoiévski, Fiódor, 1821 – 1881
Crime e castigo / Dostoiévski; tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes.
– Porto Alegre, RS : L&PM, 2008.
592p:. – (L&PM Pocket : 600)
Tradução de: Prestuplenie i nakzanine
ISBN 978-85-254-1647-6
1. Ficção russa – I. Nunes, Natália. II. Título. III. Série

(R)

Um comentário

  1. Em ''Crime e Castigo'' Dostoiévski nos presenteia com uma longa e pertinaz reflexão sobre valores morais que regem a sociedade não apenas da Rússia de sua época mas de todos os tempos ao defrontar questões como a arrogância,o egoísmo e o sofrimento pelos qual seus personagens passam.A reflexão principal gira em torno do crime de Rodka que mata a velha agiota mas logo depois começa a sofrer com o arrependimento por isso ,até enfim se entregar.Pode-se ver tudo que envolve o crime antes dele ser cometido e toda a reflexão que o assassino manifesta antes de cometê-lo ao que Dostoiévski chama de ''doença'',brilhante reflexão sobre valores morais conduzidos com maestria.Altamente recomendado ''Crime e Castigo''…

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