21 lições para o século 21
– Yuval Noah Harari

Quanto mais simples a narrativa melhor será o entendimento do conceito, contudo esse método não assegura a concordância de padrões que possam tornar a vida aprisionada por valores sejam eles religiosos ou políticos. Os humanos aprenderam a não obedecerem cegamente às tradições morais, aos preceitos e valores religiosos, tampouco às tendências políticas.

O autor percebendo a capacidade humana de extrair conclusões indagando o seu íntimo, conduz a narrativa de forma a possibilitar a reflexão sobre os temas abordados sem impor valores pessoais. Os que leram Sapiens e Homo Deus (livros escritos pelo mesmo autor e resenhados nesse site) perceberão que alguns assuntos tratados nas obras citadas voltam a ser comentados com uma roupagem menos densa, sem deixar de ser factual e interessante.

Inteligência a consciência

A inteligência artificial e a biotecnologia norteiam, ao meu juízo, a principal preocupação de Yuval Harari para o próximo século. Percebe-se que o ser humano se beneficia e ao mesmo tempo se fragiliza com a evolução tecnológica. A tecnologia nos oferece conforto e ao mesmo tempo expõe as nossas individualidades. Esse caminho, sem volta, precisa ser trilhado com ética pelos prestadores de serviço e prudência por parte dos usuários.

Algo de suma importância a ser percebido pelo homem é a distinção entre a inteligência e a consciência. A demora em perceber essa diferenciação possivelmente acarretará surpresas, ainda maiores, em relação à inteligência artificial.

“Inteligência é a aptidão para resolver problemas. Consciência é a aptidão para sentir coisas como dor, alegria, amor e raiva. Tendemos a confundir os dois porque nos humanos e nos outros mamíferos a inteligência anda de mãos dadas com a consciência. Mamíferos resolvem a maioria dos problemas sentindo coisas. Computadores, no entanto, resolvem problemas de maneira muito diversa.”

Os benefícios alcançados pela biotecnologia devem-se, também, à vinculação com a inteligência artificial. A simbiose da inteligência artificial com a biotecnologia ajudará aos alquimistas na busca do poder de reformulação e reengenharia da vida. O homem das cavernas jamais imaginou que poderíamos viver 100 anos. O que está em jogo é a rapidez do processo de busca pelo “elixir da imortalidade”.

O efeito social

O fascismo derrotado na Segunda Guerra Mundial cedeu lugar às narrativas comunista e liberal. Agora, nos deparamos com políticas protecionistas, crescentes resistências às imigrações e acordos de livre comércio. Percebe-se uma linha política esboçada em países com economias fortes sendo questionada por parte significativa da população, especialmente na União Europeia e nos Estados Unidos, cujo cerne do debate é o imperialismo, o racismo, a ecologia, a corrupção, além da imigração que provoca choque cultural e religioso. Quanto estamos dispostos a ceder do nosso conforto, valores culturais e religiosos em troca de uma causa humanitária ou ecológica? Precisaremos reinventar a democracia ou estaremos condenados a viver em ditaduras digitais impostas por empresas que se tornaram nossas parceiras, sem que tenhamos disso percebido?

Invasão de privacidade e delegação de poderes

As plataformas digitais identificam o que você ler e as músicas que ouve. Conhecem o menu do seu almoço, o sabor da pizza que você gosta, a sua lista de compras no mercado e os filmes que você assiste. Identificam as consultas que você faz na internet, estão de posse das suas digitais, da sua altura e do seu peso, se não bastasse, tem gravado os pontos do rosto que possibilitam o seu reconhecimento facial. Sabem quantos passos ou quilômetros andou por dia, a quantidade de degraus que você subiu, quantas vezes o seu coração bate por minuto, a quantidade de horas do seu sono e a periodicidade que visitou o seu cardiologista. O número do CPF, sem sombra de dúvida, já foi escancarado há anos e em algumas situações desde o dia do registro do nascimento. A democratização bancária resultará na quebra do sigilo e o credit score se encarregará de disponibilizar, ao sistema financeiro, o valor do seu passe (quanto você vale) e se você necessita justificar suas dívidas com o condomínio ou concessionária de energia.

A reserva financeira que você autorizou o seu banco ou a sua corretora aplicar em fundos de investimento ou na compra de ações na bolsa de valores, certamente, está sendo gerida por um robô que a cada minuto compete com os interesses de outros robôs de instituições financeiras concorrentes.

Nossos dados pessoais são capturados no momento que aceitamos serviços digitais gratuitos ou de baixo custo. O que nos é apresentado como cômodo e confortável poderá se tornar um martírio descomunal.

Dependência da globalização e o risco de uma ditadura universal

Estamos acachapados em relação as plataformas digitais e os governos cada vez mais se dobram às suas imposições dissimuladas, afinal a economia digital e globalizada é uma realidade incontestável e evolutiva, basta imaginar as quanto influentes são a Apple, Amazon, WhatsApp, Google, Facebook, Netflix, Microsoft, Uber e Spotify. Quando interrompem o funcionar por alguns minutos os usuários dessas plataformas entram em pânico, tamanha é a dependência a que se submeteram. As plataformas sabem o quão influentes são nas nossas vidas e cobram por isso sem que percebamos. Enchem os nossos computadores e smartfones de propagandas, mensagens, alertas e notícias. Ao aceitarmos algum serviço gratuito nós as autorizamos, quase sempre de forma inadvertida ou subliminar, invadirem nossos ambientes tecnológicos. As câmeras digitais espalhadas nos shoppings, estações de metrôs, aeroportos, ruas, avenidas, lojas, prédios comerciais e residenciais registram nossas presenças e em questões de segundos, transmitem informações sobre segurança pública, desejo de consumo e habitualidade de compras. As redes de farmácias registram os nomes dos medicamentos contínuos que usamos e nos enviam “ofertas” em datas próximas aos períodos de reposição dos medicamentos.

 

Interação autônoma

A inteligência artificial interage sem a nossa participação, a exemplo de uma leitora de praça de pedágio ao identificar no para-brisa do automóvel o dispositivo e libera o acesso do veículo debitando o valor do pedágio na sua conta corrente ou no cartão de crédito. As maquininhas dos guardadores de automóveis, usadas em áreas de estacionamentos nos grandes centros urbanos, se encarregam de verificar no aplicativo se o usuário do serviço procedeu o pagamento, basta apontar para a placa policial do veículo. Em caso negativo emite a multa pela infração cometida.

O uso do tempo

Teremos mais tempo disponível, sem dúvida! Algumas pessoas escolherão aproveitá-lo para aperfeiçoar as relações familiares, intensificarão as atividades culturais e cuidarão melhor da saúde. Outras, certamente, se deixarão levar pela inteligência artificial. O indivíduo que tenha optado por deixar a inteligência artificial definir o uso do seu tempo poderá ter surpresas desagradáveis. Ou seja; o usuário que se habituar a acessar dados de baixa qualidade, muito provavelmente, receberá sugestões pífias da inteligência artificial.

Questões do clima

O clima do planeta aparece entre os assuntos abordados pelo autor. Tenho a impressão que, apesar das abordagens diárias na mídia, a questão climática é de pouco entendimento do público. Grande parte dos habitantes do planeta acha que há espaço para negligenciar. Acabam oferecendo eco aos discursos de governantes irresponsáveis. Enquanto os políticos criam narrativas ficcionais a população escolhe manter-se em uma zona de conforto e acredita ou faz que acredita em propostas momentaneamente convenientes. O aquecimento global continua derretendo o gelo polar e esse fato acarreta consequências desastrosas para o planeta. A devastação da Amazônia diminuirá a quantidade de chuvas no Sudeste. O rio aéreo reduzirá a sua vazão e a região brasileira mais populosa terá dificuldade para reabastecer suas represas.

O sistema agoniza a ponto de inviabilizarmos a vida de muitas espécies na terra. Não somos o centro do universo. Somos capazes de pensar e estabelecermos políticas, mas não somos os únicos organismos vivos do planeta. Não sairemos impunes com políticas irresponsáveis e tolerantes em relação ao desmatamento. Os que apostam na reversibilidade do aquecimento do planeta podem ser surpreendidos.

“Uma bomba atômica é uma ameaça tão óbvia e imediata que ninguém pode ignorá-la. O aquecimento global, em contraste, é uma ameaça mais vaga e prolongada. Daí que, sempre que considerações ambientais de longo prazo exigem algum sacrifício, nacionalistas podem ser tentados a pôr interesses nacionais em primeiro lugar, e se tranquilizam dizendo que podem se preocupar com o meio ambiente mais tarde, ou deixar isso para pessoas de outros lugares.”

Precisamos reconhecer que não existem fronteiras entre países ao tratarmos do meio ambiente. Da mesma forma que não se pode impedir que uma nuvem de gafanhotos ultrapasse a fronteira entre a Argentina e o sul do Brasil podendo acarretar danos a agricultura, também é verdadeiro que não há impedimento para uma nuvem de fumaça do vulcão Calbuco, no Chile, ultrapassar a fronteira da Argentina e alcançar importantes regiões turísticas em Bariloche, com prejuízos significativos para a economia.

Questões religiosas

Quando se olha o mundo de diferentes pontos de vista tende-se a aceitar as opiniões dos interlocutores e o direito às divergências. Os intolerantes temem perder suas verdades absolutas. Enquanto algumas pessoas estão comprometidas com a verdade fundamentada na ciência outras se mantém radicalmente aportadas na moral religiosa. A maioria dos pensamentos e opiniões comunitárias não se baseiam na racionalidade.

“Até onde vai nosso conhecimento científico, todos esses textos sagrados foram escritos por imaginativos Homo sapiens. São apenas histórias inventadas por nossos antepassados para legitimar normas sociais e estruturas políticas.”

A crença dedicada a um Deus – escolhido por determinada religião – não torna o indivíduo mais ou menos saldável, morrerá como todos os humanos da face da terra. Muitas das religiões que pregam o temor a Deus tornaram-se empresas com força e representação políticas. Enquanto prometem aos seus seguidores um lugar aos céus, trocam seus votos por influência política e benefícios financeiros. O fortalecimento das religiões com características empresariais vem restabelecendo o poder das igrejas nas decisões em defesa da falsa moral, com risco de retorno, mesmo que discreto, a regime políticos ultrapassados guardada a devida distância atemporal.

“A maioria dos humanos nunca usufruiu de maior paz e prosperidade do que sob a égide da ordem liberal do início do século XXI. Pela primeira vez na história, doenças infecciosas matam menos que idade avançada, fome mata menos que obesidade e violência mata menos que acidentes.”

Doenças e tratamentos

O conhecimento científico facilitado pelo uso da tecnologia passará a expor as doenças antes dos sintomas, logo, as pessoas serão diagnosticadas sem perceberem manifestações do corpo que hoje estimulam a procura por serviços médicos.

“As pessoas usufruirão dos melhores serviços de saúde da história, mas justamente por isso estarão doentes o tempo todo. Existe sempre algo errado em algum lugar do corpo. No passado, você se sentia perfeitamente saudável enquanto não sentia dor ou apresentava uma deficiência aparente, como, por exemplo, mancar. Porém em 2050, graças a sensores biométricos e algoritmos de Big Data, as doenças poderão ser diagnosticadas e tratadas muito antes de causarem dor ou debilidade.”

Uma obra aberta

O texto é provocativo e permite ao leitor fazer uma incursão em vários temas. Vai do desafio tecnológico e político a outros mais específicos a exemplo da desilusão, trabalho, liberdade, igualdade, comunidade, civilização, nacionalismo, religião, imigração, terrorismo, guerra, humanidade, secularismo, ignorância, justiça, educação e sentido da vida. Os assuntos são tratados de forma não impositiva, mas, requer ao leitor uma reflexão larga e desprovida de amarras políticas, sociais e religiosas.

A leitura da obra é importante para nos mantermos alerta em relação às tendências mundiais.

Yuval Noah Harari

Historiador, investigador e professor de História do Mundo na Universidade Hebraica de Jerusalém. Duas vezes vencedor do Prémio Polonski para Criatividade e Originalidade nas Disciplinas de Humanidades, publicou numerosos livros e artigos científicos.
Sapiens: História Breve da Humanidade e Homo Deus: História Breve do Amanhã mantém-se ambos nas listas de bestsellers.

3 comentários

  1. Excelente resenha! Uma visão clara do conteúdo do livro, que estimula sua leitura. Demonstra a importância de vários temas
    atuais e curiosos, revelando o quão interessante é a obra do autor. Parabéns!

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