A Morte Feliz
– Albert Camus

Patrice Mersault conhece a datilógrafa Marthe. Começam um relacionamento e se envolvem em uma relação conveniente revelando-se um amante silencioso e pouco exigente.

No cinema, após uma cena de ciúme, ela revela ter outros relacionamentos e cita Roland Zagreus, que vivia em uma cadeira de roda por ter as pernas cortadas, como um dos amantes preferidos. Patrice Mersault fica curioso e pede a Marthe que o apresente.

Entre amantes

No primeiro encontro entre os dois amantes de Marthe o protagonista mostrou-se desconfortável, contudo, Roland Zagreus consegue suavizar o incomodo do visitante mantendo o foco da conversa em elogios à moça e busca tornar Patrice Mersault um cúmplice.

Atenuado o incomodo Roland Zagreus provoca Patrice Mersault:

“Está com um ar cansado — disse. Por pudor, Mersault responde apenas: — Sim, estou entediado — e depois de algum tempo, reergueu-se, caminhou até a janela e acrescentou, olhando para fora: — Tenho vontade de me casar, de me suicidar, ou de fazer uma assinatura de L’Illustration. Um gesto desesperado, sei lá. O outro sorriu: — Você é pobre, Mersault. Isso explica a metade de seu desgosto. E a outra metade, você a deve à absurda aceitação com relação à pobreza.”

Carta e revólver

bau-1Ao comentar sobre a pobreza Roland Zagreus chamar a atenção do visitante para uma alternativa que o levaria a uma vida melhor e o induz a perceber um cenário cujo contexto remete a um ato questionável:

“Nesse momento, Zagreus abrira o pequeno baú que estava encostado à lareira e mostrara um grande cofre de aço escurecido com a chave. Sobre o cofre, havia uma carta e um grande revólver preto. Ao olhar involuntariamente curioso de Mersault, Zagreus respondera com um sorriso. Era muito simples. Nos dias em que ele sentia demais a tragédia que o privava de sua vida, colocava diante de si essa carta, que não datara, e que fazia parte de seu desejo de morrer. Depois, colocava a arma na mesa, aproximava o revólver e encostava nele a testa, rolava-o pelas têmporas, acalmava sob o frio do aço a febre de suas faces. Ficava assim por um longo momento, deixando vagar os dedos ao longo do gatilho, até que o mundo se calasse à sua volta, quando, já sonolento, todo o seu ser se envolvia na sensação do aço frio e salgado, do qual podia sair a morte”

Assassinato ou suicídio

Albert Camus tira de foco a relação entre Mersault e sua amante e desloca o tema para valores éticos e morais que remetem à busca da felicidade através da riqueza.

Sendo assim, Patrice Mersault é instigado ao crime como forma de livrar-se da pobreza…

“Zagreus, sem se mexer, parecia contemplar toda a beleza desumana da manhã de abril. Quando sentiu o cano do revólver na têmpora direita, não desviou os olhos. Mas Patrice, que o fitava, viu seu olhar encher-se de lágrimas. Foi ele que fechou os olhos. Deu um passo atrás e atirou. (…) Se bem que não se visse mais Zagreus, e sim uma enorme ferida no seu relevo de massa encefálica, de osso e de sangue. Mersault começou a tremer. Passou para o outro lado da poltrona, tomou-lhe a mão direita, fê-lo pegar o revólver, ergueu-o até a altura da têmpora e deixou-o cair novamente. O revólver caiu no braço da poltrona e, daí, foi parar nos joelhos de Zagreus.”

Paixão pela aventura

Após o crime, com dinheiro e muitas aventuras o protagonista se permite a uma reflexão:

“Suas corridas pelo mundo, sua exigência de felicidade, a terrível ferida de Zagreus, cheia de cérebro e de osso, as horas suaves e contidas da Casa Diante do Mundo, sua mulher, suas esperanças e seus deuses, tudo aquilo estava diante dele, mas como uma história que se prefere às outras, sem uma razão válida, ao mesmo tempo estranha e familiar, livro favorito que agrada e confirma o que há de mais profundo em nós, mas escrito por outra pessoa. Pela primeira vez, ele não sentia outra realidade que não a de uma paixão pela aventura, um desejo de seiva, de um relacionamento inteligente e cordial com o mundo. Sem rancor nem ódio, não conhecia o remorso.”

O texto retrata ambientes vividos pelo autor e impõe o entendimento que a felicidade está diretamente relacionada a existência da liberdade e do dinheiro.

A morte aparece – a exemplo das demais obras do autor – como uma realidade concreta, consciente e natural.

Temê-la é negar a vida.

Considerando tratar-se do primeiro livro do autor, só publicado após a sua morte, carece de uma estrutura literária que facilite o entendimento dos objetivos, contudo, em se tratando de Camus deixar de lê-lo é perder oportunidade para uma reflexão filosófica.

Albert Camus

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Nasceu em 7 de novembro de 1913, uma pequena localidade da Argélia, conhecida durante a ocupação francesa pelo nome de Mondovi. Viveu sob o signo da fome, da guerra e da miséria.

A obra do escritor, ensaísta, romancista, dramaturgo e filósofo terminou sendo orientada pelos citados elementos que ajudaram na formação do pensamento crítico e filosófico.

Morreu em 4 de janeiro de 1960, aos 46 anos, na pequena comuna francesa Villeblevin, região administrativa da Borgonha, vítima de um acidente de trânsito.

O tradutor checo Jan Zabrana sugeriu em seu diário, publicado postumamente, a possibilidade de Dimitri Shepilov, Ministro das Relações Exteriores da URSS, ter encomendado o assassinato de Albert Camus, devido à oposição que ele vinha fazendo ao massacre soviético na repressão à Revolução Húngara de 1956.

Os stalinistas e de simpatizantes dos comunistas começaram a detestar Albert Camus a partir da citação feita, por ele, ao poeta americano Walt Whitman que assegurara “sem liberdade, nada pode existir”.

Camus perdeu o pai, Lucien, em 1914, cuja família era da Alsácia, França, na batalha do Marne, durante Primeira Guerra Mundial, fato que obrigou a mudar-se com a sua mãe, Cathérine Sintès, uma marroquina de origem espanhola, para a casa de sua avó materna, em Argel.

Durante a infância, morando na casa da avó, Camus teve o apoio do professor Louis Germain, que previu para ele um futuro próspero e estimulou à sua mãe a procurar por uma bolsa de estudos no liceu de Argel.

Apesar das dificuldades financeiras, Camus decidiu continuar os estudos na escola secundária, mesmo familiarizado com o trabalho na oficina do seu tio. A continuidade da formação filosófica de Camus deveu-se ao professor Jean Grenier, homenageado, por Camus, que dedicou a ele o livro ‘O Homem Revoltado’.

A monografia de mestrado de Camus versou sobre o neoplatonismo, que relata sobre doutrinas direcionadas para os aspectos espirituais e cosmológicos do pensamento platónico.

Na tese de doutorado, Camus, aborda aspectos relacionados a obra de Santo Agostinho, considerado um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo.

Após concluir o doutoramento foi acometido por uma intensa crise de tuberculose, que o impediu de lecionar e praticar esportes.

albert-camus-no-brasil-1Ao visitar o Brasil, no período de 5 a 7 de agosto de 1949, proferiu várias palestras e conheceu, em companhia de Oswald de Andrade, a festa em louvor ao Senhor Bom Jesus de Iguape.

A visita ao Brasil lhe rendeu um conto ‘A Pedra que brota’ editado no livro ‘O Exílio e o Reino’.

Em 1938, ajudou a fundar o jornal Alger Républicain e durante a Segunda Guerra Mundial, Camus colaborou com o jornal Paris-Soir.

Pouco antes da invasão alemã, em 1939, mudou-se para a França, devido as discórdias com as autoridades francesas dominantes na Argélia, por não concordar com a discriminação e restrições aos árabes, que não tinham direito a voto, suas crianças eram mal alimentadas e sem acesso ao atendimento médico. Nesta época Camus era membro do Partido Comunista.

Devido a ocupação nazista na França mudou-se de Paris para a região de Vichy, França, e participou do Núcleo de Resistência à Ocupação, tornando-se um dos editores do jornal Combat.

albert-camus-e-sartre-1Camus conheceu Jean-Paul Sartre, em 1942, após elogios recebido de Sartre referente ao livro ‘O Estrangeiro’.

Posteriormente se desentenderam publicamente, em 1952, devido à crítica feita por Sartre a respeito da obra ‘O Homem Revoltado’, na qual Camus critica o regime comunista soviético, do qual Sartre fazia parte.

Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 “por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos”.

Ao proferir o discurso agradecendo o prêmio, disse que o artista além de divertir o público deve “comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e das alegrias comuns”.

Camus afirma que as pessoas procuram incessantemente o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a rebelião.

Escreveu Revolta nas Astúrias (1936), O Avesso e o Direito (1937), Núpcias (1939), O Mito de Sísifo (1942), O Estrangeiro (1942), A Peste (1947), O Estado de Sítio (1948), Os Justos (1949), O Homem Revoltado (1951), O Verão (1954), A queda (1956), Reflexões sobre a Pena Capital (1957), O Exílio e o Reino (1957), A Morte Feliz (obra póstuma 1971) e quatro peças teatrais O Mal-entendido (1944), Os justos (2008), Calígula) (1941), Estado de Sítio (1948), além de várias crônicas.

Questões observadas nas obras de Dostoiévski e Franz Kafka aproximaram Camus dos dilemas e conflitos filosóficos evidenciados pelos citados autores, identificadas como fenômeno estético filosófico do absurdo.

Albert Camus é considerado um dos escritores mais importantes do século vinte, devido a sua aversão ao totalitarismo presente na sua obra.

Referência bibliográfica

A morte felizCamus, Albert, 1913-1960
A morte feliz / Albert Camus; tradução de Valerie Rumjanek.- 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Record.
Tradução de: La mort heureuse.
1. Romance francês I. Título. II. Ciências Humanas e Sociais. III. Psicologia e Filosofia.

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